Como um dos canais mais tradicionais da Tailândia, levou um tempo até o CH3 decidir produzir seu primeiro BL e a escolha de "The Miracle Of Teddy Bear" mostrou que eles queriam além de apenas capitalizar na demografia. Com elementos fantásticos, tivemos um drama familiar que marca quem tem o prazer de assistí-lo.
Acompanhamos a vida de Nut, um homem gay roteirista de séries que vive com sua mãe doente. Um dia seu ursinho de pelúcia, Tofu, por um milagre vira um charmoso rapaz no mesmo momento que outro homem entra em coma. Agora Tofu tem que correr contra o tempo para descobrir os pesados segredos da família e trazer felicidade a todos antes de voltar a ser urso.
Pôster promocional
A grande duração pode assustar o público de início, mas a verdade é que os episódios de 1 hora e meia são tão bem estruturados que não percebemos eles passar. E o mais importante: essa produção tinha história suficiente pra contar e preencher essas muitas horas. É louvável aqui ver a coragem do time ao escolher esse livro como primeiro lakorn (formato mais longo e tradicional de séries tailandesas, semelhante às nossas novelas) BL do horário nobre e de classificação indicativa livre (que atinge uma demografia muito diferente da habitual Boys Love). Como uma boa obra de realismo fantástico, o elemento fantasia é utilizado aqui como ferramenta de explorar as dores extremamente reais de nossos personagens e questõeos sociais profundas. Nut é um personagem quebrado, falho, odioso a primeira vista, sua mãe uma mulher aparentemente indefesa e sem culpas (interpretada pela incrível Um Apasiri). Mas as camadas apresentadas pela produção vão muito além do básico. Omissão também pode servir de opressão e a agressividade pode ser a válvula de escape de alguém que já sofreu muito. E Tofu surge em meio a um milagre com a missão de tentar reparar essa família. Este numa atuação primosora de Sarin Ronnakiat, que sai de um objeto infantilizado a um ser consciente e determinado no passar dos episódios. Job Thuchapon também não fica atrás entregando belas sequências. Além das amplas discussões sobre identidade sexual, temos um interessantíssimo mistério e investigação que costura vários núcleos. Temos ainda no casal secundário interessantes discussões sobre romance com diferença de idade e eles encrementam o diálogo sobre superar traumas passados. É inegável que em momentos o tom novelesco prevalesce (esperado do formato), mas nós como latinos apenas vibramos a cada reviravolta.
Havia descrença por parte da audiência se a adaptação manteria o tom político do material fonte e a verdade é que "The Miracle Of Teddy Bear" não se conteve nesse aspecto. Essa é talvez a melhor representação do crescer gay e suas consequências na vida adulta já feita em uma mídia tailandesa. Do trauma infantil à repressão adolescente, nada passa batido. É interessante ver como os traumas moldam esses personagens de diferentes formas. Outro grande ponto é sobre identidade: em nenhum momento há receio em usar a palavra gay ou outras similares em tailandês. Uma determinada passagem cutuca um discurso muito comum em BLs: "amor é amor, amor não tem gênero". Este pode parecer tão progressista a primeira vista, mas na verdade ao negar a identidade se nega também o respeito e a individualidade, necessários para podermos compreender a real necessidade dos direitos iguais. Tem sido cada vez mais comum nos últimos anos que séries BL tailandesas adotem discursos progressistas, mas pouquíssimas conseguiram até então incorporar essas falas de forma orgânica no texto. Aqui faz parte da narrativa essa discussão, não parecem frases soltas em fim de diálogos que soam artificiais com o objetivo de viralizar. Destaque ainda para a forma como Nut vê a indústria BL e de entretenimento tailandesa e a relação de pais militares com seus filhos gays.
A produção aqui foi até certo ponto primorosa. Temos uma das melhores sonoplastia em uma série BL tailandesa em seus primeiros episodios (decai um pouco na reta final). Como levou mais de um ano em gravação e de forma intermitente, é impressionante que haja poucos erros de continuidade. Contudo é sensível que a pressão da distribuidora de encaixar a trama em 16 episódios prejudicou parte da narrativa. A montagem dos dois últimos episódios evidencia a falta de cenas que dariam uma liga melhor à trama. Alguns detalhes foram esquecidos pelo caminho, como o motivo de Tofu ter vindo a vida com o rosto de Nueng ou a simplicidade a qual a trama da TRD foi resolvida.
Tofu como um elemento transformador na vida desses personagens pode ter machucado muitos e isso é mérito da humanização que a equipe e o ator deram ao personagem. Apesar de sugestões do final estarem espalhadas por todo o material de divulgação, boa parte da audiência se sentiu traída. Contudo como o próprio Nut diz, enquanto um amor lhe ensinou a verdade o outro ensinou o sonho. A felicidade dos minutos finais, reafirmada incansavelmente pelo próprio Tofu, podem parecer amarga para alguns, mas a discussão aqui sobre amor não é simples. Desde o milagre de Tofu a amor materno, todos vão além do idealistico. "The Miracle Of Teddy Bear" foi um dos movimentos mais corajosos do BL tailandês até hoje.
0 Comentários