Crítica | Grandes atuações e um foco em questões sociais tornam 'Not Me' um marco do BL tailandês

O BL tailandês tende a permanecer numa zona de conforto criada pelas próprias expectativas do mercado local: tramas leves universitárias, onde a trama central é fazer com que os protagonistas fiquem juntos. Mas juntar uma diretora conhecida pela sua crítica social e um amado ship estabelecido pode ser a receita perfeita para impactar a indústria de uma forma não esperada até então.

Conhecemos em "Not Me" os irmãos Black e White. Conectados desde a infância, foram separados pelos seus pais. Um dia White descobre que seu irmão foi espancado e está em coma. Para descobrir quem fez isso ele se disfarça do irmão e adentra na gangue que ele faz parte: um grupo de jovens que sonham em destruir os poderosos que tanto oprimem os mais pobres de seu país.

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Ao início da exibição, a diretora Anucha Boonyawatana deixou clara a sua inspiração: a juventude que lutava por uma Tailândia melhor. Apesar de alguns negarem o papel do BL como ferramenta de mudança social, é inegável que em certos momentos a indústria serve de retrato para a sociedade em que vivemos e dialoga sobre mudanças. A diretora teve uma sensibilidade de trazer militantes e pautas reais para enriquecer o mundo dos nossos justiceiros. Apesar de que o que pudemos ver ser apenas o que foi permitido pela censura tailandesa, a mensagem sobre como oligarquias mantém a opressão sobre a classe trabalhadora e minorias como forma de ficarem mais ricos é clara. Interessante ressaltar como a série frequentemente põe em cheque até mesmo o idealismo dos jovens mostrando que mesmo derrubando alguns alvos, podendo ferir até mesmo seu parentes e amados no processo, outros surgirão devido o quão entranhada é a corrupção na sociedade.

O talento de Gun Atthaphan (Black/White) não é novidade para ninguém e em "Not Me" vemos o porquê dele ser um dos atores reconhecidos pela crítica local. Seu par, Off Jumpol (Sean), surpreende ao entregar uma performance incrível e ao nível de seu colega de trabalho. Ainda há de se destacar o trabalho de Fluke Gawin (Dan) e First Puitrakul (Yok) no casal secundário formado por um policial traumatizado e um jovem anarquista inconsequente. A série ainda faz do uso da arte como ferramenta de enriquecer as críticas ou ressaltar os sentimentos dos personagens. Como por exemplo, quando o resultado da pintura que aproxima Yok e Dan remete a "Fallen Angel" de Cabanel, temos um flashfoward da trama do casal. A inserção de cenas de protestos em referências a manifestos reais, como a em prol o casamento LGBT e a que um grupo de manifestantes é salvo da prisão, são também paralelos à relaidade do país únicos dentro para o BL tailandês.

Apesar de tantos acertos e de uma mensagem incrível, a série sofreu de questões de ritmo e de roteiro. Se alguns momentos pareciam haver facilitações excessivas para que a trama andasse, outras os acontecimentos pareciam repentinos. A edição de som também foi irregular, com cenas com bastante ruídos. A equipe chegou a comentar sobre as dificuldades enfrentadas, de ameaças de boicote, prazo e orçamentos apertados e até mesmo ter que encaixar o texto de uma forma que fosse aprovado pela censura. Em especial, há um sentimento de final apressado, não resolutivo e pouco verossímil. Mesmo com tantas cartas contras, essas questões de ritmo não chegam a tirar o brilho da obra como um todo.

"Not Me" é como um sonho de uma equipe que quer um mundo melhor. Com ótimas atuações e construções de cena, poderia ter sido ainda mais impactante se não fossem as restrições que enfrentou em sua produção.

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