Tradução | Os ingredientes da criação de séries BL do diretor e produtor Aof Noppharnach

Tradução do artigo "De Gay Ok Bangok para a A Tale of Thousand Stars: Os ingredientes da criação de séries BL de Aof Noppharnach Chaiwimol", entrevista conduzida por Pensinee Thitithamruksa com fotografias de Audrey Thongkhachoke para o site The Potential em 22 de fevereiro de 2021.

"Gay Ok Bangkok", "He's Coming to Me", "Dark Blue Kiss", "Still 2gether", "A Tale of a Thousand Stars". Ainda que você nunca tenha assistido um BL, muitos desses nomes você já deve ter ouvido por aí. São partes do trabalho de Aof Noppharnach Chaiwimol, diretor de produção de conteúdo da GMMTV.

Se falássemos de três ou quatro anos atrás, séries BL eram uma novidade na sociedade, mas hoje se tornaram um grande sucesso com grandes lucros no mercado do entretenimento. Uma fã-base crescente de estudantes a trabalhadores, domesticamente e internacionalmente. Não é surpresa que muitos invadiram esse mercado.

Ao passo que as séries BL tem crescido, gostaríamos de convidar todos a conhecer essa jornada através dos olhos de Aof Noppharnach Chaiwimol, um dos primeiros diretores de BL da Tailândia, do começo, o hoje e o futuro do BL tailandês.
Antes de fazer séries totalmente BL, sabemos que você dirigiu séries LGBTQ+ antes.

Eu era uma pessoa interessada e engajada em questões LGBTQ+ enquanto fazia "Gay Ok Bangkok". Foi porque eu queria trazer seriedade aos personagens LGBTQ+. No passado, esses personagens eram frequentemente tratados como secundários, comediantes ou de uma forma negativa. Sofrendo pressão da sociedade, deveriam enfrentar um amor não correspondido e no fim, morrer (tragédia), ou se fosse herdeiro, seria forçado a casar. Raramente vimos esses personagens de outras formas. Então decidi fazer "Gay Ok Bangkok" como uma web série. Acabou que teve uma boa resposta. Haviam comentários como "que bom, existe algo assim".

Como comecei no BL? Tínhamos a oportunidade de criar conteúdo que se comunicaria com adolescentes. Séries BL são um deles e parecem estar relacionado ao mesmo trabalho que fizemos: usar personagens de várias sexualidades para contar histórias. Quando tentei fazer uma série BL, foi muito popular. Continuamos fazendo com a segunda, terceira, quarta...

Tendo criado tanto séries LGBTQ+ e BLs, quão semelhantes e diferentes você as acha?

(Silêncio) Essa é uma pergunta difícil de responder. Primeiro, temos que voltar atrás e falar sobre o que a cultura BL e tradição são: BL começou como mangás no Japão. Vem da figura do fã de um trabalho que usa ícones e os junta como casal. É uma cultura de ship (ship significa um relacionamento criado entre pessoas que gostamos), então séries BL tem certas tradições, como ter de contar o panorama da história de romance.

Mas se é uma série LGBTQ+, é mais diverso. A mensagem transmitida tem mais a ver com uma demanda desse grupo. A postura do personagem é mais séria, então série BL e série LGBTs ficam em diferentes lados. Mas ambas compartilham da diversidade sexual. Portanto, quando se fala disso, as pessoas se dividem entre dois grupos: um fala "É a mesma coisa", enquanto outro grupo diz "Não! São coisas diferentes".

Então os LGBTQ+s pensam "Bem galera, vamos admitir o fato que o cara ama outro cara e isso é gay", o outro lado fala "Ele não é! Ele só gosta de um homem, não é gay." É uma discussão interminável e controversa, pois os grupos opostos pensam de formas diferentes e tem diferentes crenças.

Retornando a pergunta se séries BL e LGBTQ+s são o mesmo ou diferente: acho que cada lado tem suas razões. Para mim, é o mesmo. Séries BL são um segmento das séries LGBTQ+.
Como uma postura pessoal, você é interessado e quer incluir as questões LGBTQ+ na produção de séries BLs. Como lida com isso?

Cada produção de um BL meu requer ao menos uma questão e mensagem que fale sobre LGBTQ+s. Mas algumas são muito pesadas para entrar num BL, pois a audiência pode pensar "Oh, mas isso não é sério de mais?". Tento equilibrar ambos os lados.

Como no meu trabalho passado, "He's Coming To Me", eu queria contar a história de um rapaz que está confuso sobre si. Escolhi mostrar isso através do protagonista que estava numa idade de confusão "eu não sei do que gosto". Queria fazer os espectadores entendessem seu personagem ao passo que ele se entendia na vida. Quais os fatores que o entristecem? No fim, o que esse personagem aprendeu sobre si? O objetivo final era quando ele vai conversar com sua mãe. Tem uma cena onde o personagem se assume e fala abertamente com sua mãe.

Quando fiz algo maior como "Dark Blue Kiss", eu queria falar sobre pessoas que hoje podem se aceitar, mas terão de lidar com o ambiente familiar ou como esses pais de filhos LGBTQ+ irão lidar, pois não é fácil para os pais na série. Conto sobre duas famílias. Uma é a do Pete (Tay Tawan), o protagonista. O seu pai lhe aceita e mesmo que um pai aceite, não significa que ele vai entender tudo sobre ser LGBTQ+... Mesmo falar numa linguagem simples sobre a "gayzisse" de seu filho soa pesado, certo? Então quando peguei a série pra fazer, eu tentei suavizar e torná-la mais divertida. Por exemplo, tem uma cena em que o pai procura informação na internet de como lidar com um filho gay ou a cena que ele compra camisinha pro filho.

A outra família é a do Kao (New Thitipoom), que tem uma mãe que se importa com como eles se apresentam para a sociedade pois ela é professora. Kao se preocupava se ela lhe aceitaria, se isso afetaria o trabalho de sua mãe. É algo que faz ele ter medo de ir além de se aceitar e contar para ela. Ou mesmo a família de Non (AJ Chayaphon), que é o vilão, onde seu pai não aceita de forma alguma. A série em si reflete com a audiência no fato de que um pai não consegue aceitar ou agir assim com um filho. Finalmente, como isso afeta o comportamento de nossas crianças? Tudo isso são coisas que sentimos que podemos usar BLs para contar.

Quando falamos de LGBTQ+ e BLs, entendo os pontos dos dois lados e demandas. Entendemos porque BL não pode simplesmente assumir o papel de uma série LGBTQ+ se afeta a mecânica da série, porque são feitias para diferentes formas de pensar. Se tentamos por o BL a fazer outra coisa, o público que assiste isso pode não gostar, pois não é o esperado e desejado. Mas tem pessoas tentando fazer isso. É bom que se tente, mas em algumas situações, não é possível fazer 100%.

Vendo o panorama da indústria do BL tailandês, o que você vê hoje?

Eu acho que o mercado de séries BL está crescendo a largos passos. Comparando o número de BLs disponíveis no mercado hoje, há muito a ser visto em diversas plataformas. O público continua a se expandir, fazendo com que novos criadores de BLs entrem na brincadeira desse mercado, pois ele tem muitas possibilidades.

Na GMMTV, a cada ano produzimos principalmente conteúdo jovem. BL é um desses conteúdos. No passado fazíamos dois ao ano, mas a partir do ano passado passaremos a fazer quatro.

Na visão de um criador de conteúdo, se criou novos meios de se apresentar. Temos que fazer conteúdos mais divertidos. Não apenas BLs, mas num geral. Desenvolver uma variedade de estilos de apresentação. Quanto ao BL, vemos agora que os roteiros tem saído das universidades, com ação investigativa entrando como profissões.

Significa que um roteiro assim vai ser popular?

Eu diria mais diverso. Porque é apenas o primeiro ano que o BL saiu da universidade e está entrando na vida profissional e tendo vários panos de fundo para as histórias. Meu último trabalho, "1000 Stars", vai para outras províncias. Ou outros como "Manner of Death", que é um BL investigativo, ou "Kinn Porsche", esse é sobre máfia. Veremos que gradualmente sai da zona que estamos acostumados: universidades e escolas. Mas você pergunta se vai fazer sucesso? Chamo de nova alternativa, pois não podemos responder se esse caminho será popular ou não.

Ganhou-se popularidade não só na Tailândia, mas também nos mercados internacionais. Por que você acha que isso ocorreu?

Acho que o que faz BLs serem tão bem sucedidos é igual a qualquer outra série, e sendo específico: conteúdo agradável e bom elenco são as principais razões. Isso é o porquê nossas séries são bem quistas lá fora. Acho que pela quantidade de BLs que produzimos, atingimos as demandas de muitos em suas casas em outros países. Ainda, o jeito que apresentamos nossos atores criando-os como um idol. Os artistas vão junto. Por outro lado, é mais sobre estratégia de marketing. Depende de cada companhia como eles vão tirar o máximo da série, como mostrar para os fãs internacionais, que tipos de roteiro são universais, que todos podem ver.

Qualquer seja a trama da série BL, você consegue fazer um hit na audiência?

A principal coisa é se manter na trama do romance, pois amor é universal, todos podem entender. E se usar como parâmetro o sucesso das séries BL passadas, vemos que a é a trama de amor de ensino médio, universidade, foi o que levou essas séries tão longe, pois o público está habituado com essa história. Afinal, quando assistem se emocionam pensando "ei, eu já estive nesse local".

Um aspecto pelo qual as séries BL se tornaram bem populares, por outro lado há pessoas que acha que BLs são ainda mais danosos e espalham falsas crenças sobre LGBTQ+s.

Se disser que BL é cada vez mais mal compreendido, tenho de analisar bem o que é "mal entendido". Se estamos falando que BLs falam errado sobre sexualidade, isso tenho que admitir que realmente ocorre más compreensões. Tem algumas coisas que não são apresentadas corretamente, sinto isso. Mas outras questões ainda não vejo qual a má compreensão dos BLs?

Por exemplo, pessoas que assistem BL e acham que se apaixonar por um homem não é o mesmo que ser gay. Ele é um homem que ama apenas este homem. Esse tipo de pensamento leva ao apagamento da identidade de um grupo.

Ou na realidade é além disso. Em algum momento não temos de sentar para conversar sobre se assumir, se amar um homem é igual a ser gay ou não.

Pra mim, eu queria fazer séries BL como um drama de romance. Onde os personagens são duas pessoas apaixonadas. É mesmo necessário dizer a palavra gay ou qual sua sexualidade? Quero fazer séries num lugar onde os personagens não tem de se assumir para os pais e amigos, não tem de falar sobre aceitação. Porque vejo sexualidade como fluida, E que se gostamos de alguém é pessoal. Hoje eu penso que é além de "ser gay", vai além. Isso que as pessoas ainda não entendem sobre BLs, entende?
É que sexualidade é um assunto muito vasto. Há muitas nuances a se observar.

Há muitos ângulos que vejo que podemos valorizar hoje, ainda não compreendo todos. Houve um tempo onde se encorajava a se assumir, pra todos saírem do armário, "seja você mesmo". Hoje em dia nos questionamos se sair do armário é necessário ou não. Podemos viver sem nos assumir, se formos felizes assim.

Ou é o fato que se eu amar esse cara irão me taxar de "gay"? Se você se aprofundar em sexualidade, existem muitas outras categorias que até nós mesmos não entendemos. Não é completamente restrito em gêneros. Se você me disser o que os BLs fazem de errado, então focaremos nisso.

Mas quando queremos fazer BLs, é fazer uma série de romance. Tem pessoas que dirão que não é necessário falar sobre aceitação ou se assumir, a série não vai ter valor se não contar a história de um foco LGBTQ+. Mas de um ponto de vista, queremos normalizar isso (essas relações), certo? Eu tou normalizando, e aí? Essa é a perspectiva.

Há pessoas que se queixam que usamos esses personagens de BLs para fazer nosso sustento, então que falemos um pouco sobre o assunto (LGBTQ+), ou que se dê espaço para esses grupos se pronunciarem, e isso é o que tenho tentado fazer. 
Mas precisamos entender no que o BL se baseia também. A audiência base ou o marketing que se deseja. Que tipo de mídia se quer ser consumida na cultura BL? Eu tento fazer o melhor que posso.

As pessoas esperam que séries BL ajam para educar a população pois nossa escola não mostra essas coisas.

Eu acho que.. realmente precisamos ir lá e ensinar algo? Deixa o sistema educacional fazer seu trabalho. Se esperarmos que BLs ensinem a audiência, devemos esperar da mídia como um todo, todo o entretenimento, da mesma medida e não é sobre sexo que temos que passar mensagem.

Falando nisso, me faz sentir que séries BL não são apenas romantismo e inútil. Ainda que não entregue nenhuma mensagem sobre LGBTQ+s, ao menos ela continha personagens LGBTQ+s. Isso também faz pessoas e pais assistirem as séries BL e reconhecer a existências de uma variedade sexual, o amor do mesmo gênero. Assistir Bls ao menos os fará se abrir um dia, ter uma atitude positiva sobre isso, mesmo que seja uma pessoa mais velha.

Qual que você acha que será a próxima direção das séries BL tailandesas?

As séries BLs ganharam popularidade internacional. Significa que podem se tornar um produto de exportação. É um soft power para a Tailândia. Se chegamos a esse ponto, temos que aumentar a qualidade da produção das séries com investimentos. Podem ser do governo ou privado, para que o BL não seja um crescimento temporário, mas um caminho a ser usado para trabalhar com os estrangeiros, atraindo as pessoas para vir à Tailândia ou difundir nossa cultura através das séries.

Eu gostaria de ver a qualidade dos BLs. Poder comprar e ser equivalente a outros tipos de série. Como fazer com que essas séries não sejam tratadas como "de segunda"? É algo que temos tentado romper.

Hoje, o BL ainda é considerado algo novo na sociedade tailandesa?

Tem um dizer que diz "pais aceitam", "pessoas estão se abrindo mais". Eu vejo que são abertos e aceitam desde que não sejam os filhos deles. Quando as crianças da casa são LGBTQ+s os pais tem que sentar e se questionar sobre como seus descendentes irão viver na sociedade. Mas isso é específico de cada família, como irão lidar com isso.

Eu penso que se ao menos as séries BL serviram para que eles vejam antes como é um homem amar um homem, que não significa que um filho que gosta do mesmo gênero vai ter a vida destruída ou não vai conseguir viver em sociedade, ao menos foram fonte de alguma mudança dessa imagem. Acho que a questão pros pais é que tem que ter um guia para eles, no qual séries BLs podem assumir essa função mesmo sem o espectador se perceber.

Postar um comentário

0 Comentários