Entrevista | Ian e Paolo Pangilinan e o criador de Gaya Sa Pelikula, Juan Miguel Severo

O ano 2020 não foi um ano bom, mas na indústria de BL a história é diferente. A Filipinas nos últimos meses vem demostrando que não veio para brincadeira. Apesar da maioria das produções girarem em torno da quarentena e a pandemia, as diversas histórias que eles estão apresentando tem feito com o que o público queira mais, e não foi diferente com "Gaya Sa Pelikula".

O BL de oito episódios criado por Juan Miguel Severo gira em torno de Karl (Paolo Pangilinan), um estudante de arquitetura que vai morar sozinho para cumprir um ritual da família de se tornar independente. Ele acaba tendo dificuldades em se virar sozinho e aí conhece Vlad (Ian Pangilinan), seu vizinho, que está precisando de um lugar pra ficar e não ter que voltar para a casa da mãe. Karl concorda em fingir que namora com Vlad para que Judit (Adrienne Vergara), irmã de Vlad, pague o aluguel do lugar. Eles compartilham paixão por filmes e isso os aproxima.

O que torna "Gaya Sa Pelikula" diferente é seu processo de criação. Inicialmente a produção procurava por atores assumidamente gays para a série, mas eles passaram a receber mensagens dos atores com medo de se inscreverem pois poderiam ser vítimas de typecasting no futuro, então a equipe desistiu dessa ideia. Porém, Paolo Pangilian que interpreta o Karl, é assumidamente gay e decidiu se arriscar e acabou ficando com o papel de Karl.

Conversamos com Ian e Paolo  Pangilinan (eles dividem o mesmo sobrenome, mas não tem parentesco algum) um pouco sobre o processo de criação de seus personagens, a dificuldade de filmar em meio a pandemia, seus filmes e séries LGBT+ favoritos e a experiência de Paolo em interpretar um personagem gay sendo assumido e muito mais. Também tivemos a oportunidade de conversar com Juan Miguel Severo sobre de onde surgiu a inspiração para criar a série, seu amor pelo BL tailandês e suas futuras produções.


CBL: O QUE LEVOU OS DOIS A FAZEREM AUDIÇÃO PARA ESSES PAPÉIS?
IAN: Sempre amei como as histórias queers fundem a imagem do "como o amor deveria ser" já que muitas comédias românticas seguem o mesmo ritmo se comparadas às versões LGBT+. O espectro do que amor significa sempre foi algo que sonhei em interpretar em tela, seja amor de mãe, amor pelo trabalho ou, nesse caso, o amor por alguém do mesmo sexo. 
PAOLO: Fiz a audição para o papel pois achei que era capaz de interpretar ambos os personagens verdadeiramente porque eles me lembram da minha própria experiência.

PAOLO É QUEER E IAN É HÉTERO, O QUÃO DIFERENTE FOI A PERSPECTIVA DE VOCÊS AO PEGAR ESSES PAPÉIS?
IAN: Acredito que o ser humano atrás do personagem vem antes de qualquer que seja a orientação sexual do ator. Sim, um personagem queer significa que eles tem experiências únicas comparadas a personagens heterossexuais, mas há tantas camadas de um personagem além de ser queer. Por isso que me esforço muito para adentrar em qualquer personagem que interpreto para que eles não virem o "olha só lá o personagem gay" para que não virem um estereótipo.
PAOLO: Precisaria ler mentes para responder. Mas a partir de minha experiência, ter um sofrimento em comum com o personagem ajuda muito em um papel.

JÁ QUE A SÉRIE FALA MUITO SOBRE FILMES, QUAIS SÃO OS FAVORITOS DE VOCÊS DE TODOS OS TEMPOS? E QUAL SEU FAVORITO LGBT+ OU BL?
IAN: "Me Chame Pelo Seu Nome', definitivamente. Eu amei como ele conseguiu mostrar o amor e a perda de uma forma sem qualquer clichê típico de filmes gays. Amei que se arriscou ao se distanciar das formas como o amor de perde nessas histórias. Foi real e específico, como se você estivesse espiando a vida de alguém.
PAOLO: Meu filme favorito de todos os tempos seria sem dúvidas "Tomates Verdes Fritos". Meu filme LGBT+ favorito são "Me Chama Pelo Seu Nome" e "Love of Siam". Eu tenho gostado de assistir "Boys Lockdown" recentemente.

O QUE VOCÊS MAIS GOSTARAM DE SEUS PERSONAGENS? TEM ALGUMA SEMALHANÇA COM VOCÊS NA VIDA REAL?
IAN: Eu amei como o Vlad se distancia da tradicional masculinidade tóxica de personagens gays em romances. A masculinidade dele, no lugar de se manifestar como um medo de ser feminino, se mostra na força dele dizer "eu sou quem sou".
PAOLO: Uma das qualidades que mais admiro no Karl é o senso questionador. Acredito que às vezes precisamos lembrar-nos que fomos criança um dia. Eu tento canalizar aquele jeito de pensar inquisitivo, reflexivo nas coisas mais mundanas e rotineiras.

A SÉRIE FOI TODA FILMADA ENQUANTO TODA A EQUIPE ESTAVA NO MESMO PRÉDIO. COMO FOI ESSA EXPERIÊNCIA?
IAN: Definitivamente o senso comunitário floresceu. Estar com as todas essas mesmas pessoas por vários dias trabalhando em algo que você quer mostrar para o mundo é ótimo. O senso de suporte mútuo é palpável a cada dia.
PAOLO: Eu realmente aprecio todo o tempo que pude ter para falar com meu parceiro de cena e a equipe de produção. Teve muitas coisas positivas nesse projeto: a militância, as amizades e as pessoas que alcançamos. Eu ainda acredito veementemente que, apesar de olhar para as coisas boas ajude, nossos sonhos ainda estão dentro do alcançável.

ENVIEM UMA MENSAGEM PARA OS FÃS BRASILEIROS
IAN: Muito obrigado por assistir e nos apoiar, galera!! Esperamos que independente da nossa diferença de língua e de cultura, vocês sintam a felicidade universal do amor da mesma forma.
PAOLO: Muito Obrigado e espero vê-lo em breve! Xoxoxo <3 (ele respondeu em português)

QUAIS FORAM SUAS INSPIRAÇÕES PARA ESSE ROTEIRO? TIVERAM HISTÓRIAS REAIS OU OUTROS TRABALHOS QUE TE INSPIRARAM?
JUAN: O roteiro era inicialmente bem próximo de acontecimentos reais de minha vida e gradualmente nos afastamos disso enquanto criávamos a série. A intenção era pegar o máximo de clichês de comédias românticas já existentes e colocá-los num contexto queer para mostrar que apesar de amor ser universal, há nuances que permanecem específicas do amor queer porque nosso amor está sempre conectado ao nosso sofrimento como pessoas marginalizadas.

O SLOGAN DA SÉRIE É: "ESTA NA HORA DE TOMARMOS DE VOLTA NOSSA HISTÓRIA." PODERIA NOS EXPLICAR POR QUE VOCÊ ESCOLHEU ELA?
JUAN: Inicialmente, foi pensada para os criadores queers de filmes daqui das Filipinas porque temos muitos criadores queers que estão na indústria há décadas e nunca conseguiram contar histórias queer - apenas histórias héteros em sua maioria. Sabe o ditado "Quem vai viver pra contar?" Era nisso que pensava. Pessoas queers tem que viver para contar suas próprias histórias. É sobre tomar de volta nossa voz e poder.

SENDO ABERTAMENTE FÃ DE BL TAILANDÊS, QUAIS SÃO SEUS FAVORITOS?
JUAN: Sem dúvidas, "Dark Blue Kiss" - porque é verdadeiro ao gênero mas tem raízes profundas nos conflitos reais que pessoas queers enfrentam. E eu sou extremamente biased por TayNew, então você vai achar muito de TayNew e PeteKao em elementos que permeiam "Gaya Sa Pelikula". Foi meu jeito de prestar homenagem a "Dark Blue Kiss" e um tributo a TayNew pois sou declaradamente Polca. 

FAZER FILMES RELACIONADOS AO LGBT+ É UM CAMPO MINADO EM VÁRIOS PAÍSES. APESAR DA OPOSIÇÃO DE PARTE DA SOCIEDADE, FAZER BL NAS FILIPINAS SE TORNOU TENDÊNCIA DEVIDO A POPULARIDADE DE SÉRIES ESTRANGEIRAS DURANTE A QUARENTENA. COMO VOCÊ ENXERGA ESSE MERCADO EMERGENTE E O QUE PODEMOS ESPERAR DO FUTURO?
JUAN: O que espero é que esse movimento empodere mais criadores queer a virem a frente e contar suas histórias porque a nossa experiência é vasta e diversa; esses shows que estão disponíveis não conseguem cobrir tudo e representar a todos.

ATÉ AGORA, O BL FILIPINO TEM SE DISTANCIADO BASTANTE DO QUE VIMOS EM OUTROS PAÍSES E TEM SIDO ACLAMADO PELO SEU ESTILO NARRATIVO. O QUE VOCÊ ACREDITA SER A RAZÃO DISSO?
JUAN: Primeiro, acho que ao contrário do BL tailandês, essas séries da Filipinas são escritos para TV e não são adaptações de novels. Isso significa que não há outra mídia para agradar e não precisamos encaixar nossas histórias numa que já existe com um grande fandom. Segundo, eu honestamente acho que é porque a maior parte de nossos "BLs" (boto em aspas porque alguns questionam se nossas séries são BLs por serem escritos por homens) são escritos, produzidos e dirigidos por homens gays. Também tem mais esforço dos criadores locais de colocar atores queers para os papéis. Assim se torna mais autêntico e com mais nuances porque a equipe tem um entendimento mais profundo da história que contam - pois já viveram isso eles mesmos.

A MAIOR PARTE DAS EQUIPES DOS MAIS FAMOSOS BL FILIPINOS (INCLUINDO OS ATORES) JÁ TRABALHARAM ANTES EM OUTROS PROJETOS. PODEMOS ESPERAR CROSSOVERS NO FUTURO?
JUAN: Eu espero que sim! Na verdade já atuei em um curta de Petersen Vargas que dirigiu "Hello Stranger"! Nossa indústria de filmes é bem pequena e eu amo como torcemos um pelo outro!

PODEMOS ESPERAR MAIS HISTÓRIAS DIFERENTES DO GLOBE STUDIOS E DE VOCÊ?
JUAN: Ah, definitivamente. Eu tenho outro projeto engatilhado com Globe Studios, um projeto mais antigo (mas mais difícil de produzir) que "Gaya Sa Pelikula". Estou animado por finalmente fazê-lo acontecer. Mas a parte disso, eu sei que Globe Studios tem mais projetos na manga - alguns envolvendo amigos meus - então estou animado para esses também.

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