O BL tailandês como conhecemos hoje e expansão internacional – Parte Dois


Essa é a segunda parte do especial sobre história e como funciona o BL tailandês. Confira a primeira parte clicando aqui.

Apesar de ao longo dos anos 2000 ter se consolidado a cultura de ships entre homens na Tailândia, havia um receio muito grande das companhias de investir em uma série cujo centro da narrativa fosse o romance entre dois rapazes. Até que em 2014 estreou “Love Sick", adaptação da novel BL de mesmo nome. Uma trama simples: namoro falso entre secundaristas para agradar a irmã de um dos protagonistas. Foi exibida no Channel 9 (MCOT). Seus protagonistas, os iniciantes Captain Kongyingyong e White Nawat, ficaram sob o olhar público e passaram a ser “shipados” incansavelmente. 

Captain Kongyingyong e White Nawat em Lovesick

Essa primeira fase do BL tailandês tinha como característica pessoas novas na indústria (sejam atores, diretores e até companhias de produção iniciantes), o que acabava por transparecer um tom de amadorismo. A mídia tradicional ainda não estava segura que seria bom investir nesse conteúdo. A série possuía poucos investidores, então boa parte do retorno veio através de aparições e fan meetings feitos posteriormente. 

A febre dos shorts azuis fez com que séries como “Make It Right” e uma segunda temporada de 36 (!) episódios de Love Sick recebessem investimento. Foram nessas primeiras obras BL onde nomes como o ator Ohm Pawat e diretores como New Siwaj e Cheewin Thanamin ganharam exposição. 

O foco não era o mercado internacional, mas um vácuo de conteúdo homoafetivo e a força dos fãs que legendavam e distribuíam de forma ilegal fez com que essas séries ganhassem popularidade por todo sudeste asiático (e até de forma tímida no ocidente). Esse desbravamento gerou uma procura pelas novels, as autoras que antes escreviam para fóruns online se tornaram requisitadas no mercado de livros e gigantes do entretenimento se interessaram em adaptar suas histórias. 

Krist Perawat e Singto Prachaya em Sotus
Uma subsidiária da GMM Grammy, a agência de talentos e produtora de conteúdo áudio visual GMMTV, já era conhecida por adaptar novels teens em séries e em 2015 anunciou sua primeira adaptação de BL: a popular novel SOTUS. 

A fórmula era a mesma: atores desconhecidos e inexperientes, história jovem e engajante, mas dessa vez cenário novo e em muito maior escala que tudo que havia sido produzido até então. Apesar de “Love Sick” ter tido uma grande repercussão nos países vizinhos, a explosão causada por SOTUS atingiu níveis inéditos, em especial na mídia doméstica. Como todo o elenco da série era da mesma companhia, isso facilitou o surgimento do grande trunfo do BL tailandês: os eventos em toda Ásia, com shows e fan meetings diversos.

Boa parte dessa popularidade no exterior vinha de uploads ilegais com legendas feitas de fã para fã. Algumas companhias (inclusive a própria GMMTV) eram bem restritas quanto aos direitos autorais e levaram a ter seus sites derrubados. Algumas companhias dialogaram com os fãs, como a empresa de "Love Sick" que chamou o fã que legendou a série ilegalmente para fazer as legendas do boxset e a TV Thunder, que apesar de “Together With Me” não ter sido um grande sucesso no país em seu lançamento, chamou muito a atenção internacional.

Até meados de 2018, o foco do BL tailandês era quase que totalmente a Tailândia. Séries da GMMTV conseguiam uma boa audiência na China e países vizinhos, mas nada tão grande quanto o que viria pela frente: “Love By Chance”. Primeiro projeto do Studio Wabi Sabi, do diretor New Siwaj, e baseado numa novel de sucesso, a série foi a primeira a ter estreia para o mundo todo legendada logo em seguida do episódio ir ao ar na TV. 

Elenco de Love by Chance

Mesmo com essa explosão, engajamento alto nas redes, as séries até hoje atraem poucos anunciantes e não se pagam apenas da forma tradicional, com anúncios. Geralmente as mesmas marcas patrocinam os BLs. Então se fez necessário buscar outras formas de receita para a indústria.

Com o foco de atrair uma classe média de garotas com bom poder aquisitivo, o grande produto deixou de ser as séries em si e passou a ser a fantasia do casal de atores protagonistas (ou como chamam na Tailândia “casal imaginário”). Embora o elenco de séries anteriores tenha feito fan meetings, a máquina de divulgação de companhias mais estruturadas passou a “fidelizar” o público com seus atores e continuar os promovendo por anos a fio. Quando o BL era feito com agências pequenas e cada ator com um contrato diferente, isso ocorria apenas no período de contrato

A GMM Grammy tem para si 70% da indústria do entretenimento, com jornais, revistas, gravadora, estúdios de TV e diversas agências diferentes. Mesmo que nem sempre as séries de sua subsidiária GMMTV tendo sido as mais populares, eles tem o trunfo de sua máquina para promover os “ships”. 

Bright e Win em publicidade para uma marca de sabão
Esse foi o ponto de maior aproximação entre o BL e a indústria idol. Antes debutando atores recém descobertos para as séries, eles passaram a ser treinados na atuação, discurso público, canto e dança e a série é usada como plataforma para divulgar o artista ao público jovem tailandês. Com o tempo, a série deixa de ser o motivo que une o público aos artistas e passa a ser a relação pública dos atores o que gera o engajamento e retorno publicitário desejado pela companhia. 

Para o Bangkok Post, Mr. Narit da Thai Jinton Co comentou que foi arriscado usar atores BL como embaixadores da marca ao invés de celebridades tradicionais do cinema, mas o feedback foi melhor e mais rápido. "Para embaixadores da Gen Y, apesar de apenas atingirem um pequeno grupo de consumidores, a lealdade à marca e gastos são muito maiores que fã clubes de superestars tradicionais."

Aos poucos, outras empresas foram surgindo com o mesmo molde: treinar artistas para vender a fantasia do BL não apenas nas séries, mas nas redes sociais, em eventos e na publicidade. 

Essa estruturação da produção do artista/ship para o público é extremamente recente e ganhou corpo apenas nos últimos três anos. É inevitável que o passado polêmico dos atores emerja ou até eles se expressarem de maneira equivocada em entrevistas. 

A última e mais recente expansão do BL tailandês veio de surpresa: uma pandemia trancou as pessoas em casa e o consumo de streaming explodiu. A indústria também teve de parar a produção de novos conteúdos, mas diversos que já estavam gravados e sendo exibidos viram sua popularidade explodir. A série “2gether” chamou atenção do grande público na Tailândia (incluindo atores e produtores de grandes canais) e atingiu popularidade inédita nas Filipinas e Japão para um produto tailandês, o que incentivou o licenciamento de diversas outras séries nesses países. BLs antigos como Sotus e Dark Blue Kiss viram sua popularidade explodir tardiamente pela Ásia. 

Foi reportado pelo Bangkok Biz News que durante o primeiro trimestre de 2020, houve um crescimento de 328% no consumo de BLs na LINETV, um serviço tailandês de streaming de vídeo gratuito. Hoje há 75 editoras focadas em novels BL e 1500 títulos diferentes estão publicados no país. 

Gráfico sobre o crescimento do BL na Tailândia

Apesar de tudo, o BL na Tailândia ainda é um nicho, as séries não concorrem em premiações da crítica e raramente o talento dos atores e equipe são reconhecidos. Contudo, cada dia mais fura a bolha e atinge o público geral e a cobrança comportamental dos atores e a representação dos textos surge. 

Aos poucos, temas e falas consideradas recorrentes passam a ser mal vistas e cabe às companhias, diretores e aos próprios atores mudarem para se adequar à nova exposição que tem.

Confira a última parte do especial sobre como é produzido o BL tailandês aqui.

Postar um comentário

0 Comentários