Crítica | 'Gameboys' coloca Filipinas no mapa e apresenta uma nova forma de fazer BL



Muitos países decidiram investir a fundo nas produções de BL este ano. A quarentena aumentou consideravelmente a quantidade de fãs desse tipo de conteúdo e a explosão de 2gether foi o incentivo que muitas produtoras precisavam. A produtora filipina The IdeaFirst Company tomou a frente e lançou o primeiro BL do país.

Dirigido por Ivan Andrew Payawal, com roteiro de Ash M. Malanum e estrelado por Kokoy de Santos (Gavreel) e Elijah Canlas (Cairo), Gameboys estreou na tentativa de minimizar o cancelamento de planos da companhia para 2020 devido à pandemia da COVID-19. O produtor Perci Intalan, em entrevista para a Philippines Star, revelou que eles levaram 20 dias para concluir o primeiro episódio e que a série teria inicialmente quatro episódios.

A trama de Gameboys inicia quando Cairo, um streamer gamer, é derrotado em um jogo pelo Angel2000, que logo revela se chamar Gavreel. Na tentativa de marcar uma revanche, Cairo recebe as primeiras investidas por parte do outro garoto, que parece muito interessado nele. Os dois combinam algo: caso Gavreel vença a segunda partida, ele terá permissão para flertar com o gamer. 

Uma premissa até simples, mas que conquistou vários telespectadores imediatamente. O formato digital era uma novidade para o universo BL e, mesmo que os protagonistas não tivessem contato pessoalmente, a química entre Kokoy e Elijah ultrapassava a tela. 

Aos poucos vamos conhecendo um pouco sobre cada um. Cairo está sempre irritado e até mesmo um pouco triste, ao contrário de Gavreel, sempre alegre e tentando arrancar um sorriso do seu crush. Ao ganhar a revanche, Gav continua a conversar diariamente com Cai e eles se tornam amigos. 

Apesar de rejeitar todas as investidas do Anjo da Paz, significado do nome do Gavreel, Cairo acaba vacilando em alguns momentos e demonstrando que não é tão indiferente às cantadas do garoto. No segundo episódio nós descobrimos que o pai do Cairo está infectado pelo corona. No final do mesmo episódio conhecemos a Pearl, uma personagem importante. 

Chateado ao ouvir a Pearl chamar o Gav de “baby”, Cairo decide cortar laços com o admirador. Mas o Angel2000 não desiste fácil e chega a compor uma música para pedir desculpas ao gamer. Os dois então ficam cada vez mais próximos. Gav consegue apoiar Cairo em relação ao pai, pois há um ano havia perdido a sua avó.

Quando tudo está em paz, eis que surge Terrence, o ex de Gavreel. Ele aborda Cairo e o manipula para fazê-lo pensar que Gav está apenas brincando com ele. O gamer acaba falando o que não deve e magoa o seu admirador, conseguindo seu perdão ao compor um rap em que conta toda a confusão que Gavreel fez em sua cabeça desde que o conheceu.

A história parece a outros BLs até esse ponto, mas é a partir do sétimo episódio que as coisas tomam um rumo diferente. Apesar de já ter algumas dicas, como a relação estranha entre Cairo e seu irmão London, nós descobrimos que Cairo havia fugido de casa e seu pai, ao procurá-lo por dias, acabou contraindo o corona. O seu pai, que parecia ter melhorado, acaba piorando e, no final do sétimo episódio, Cairo recebe a notícia de que ele faleceu. 

É quando nos damos conta da capacidade de atuação de Elijah e Kokoy. O choro doloroso de Cairo acompanhado pelo desespero de Gavreel sem poder ajudá-lo é de cortar o coração. Ambos os atores são experientes: Elijah ganhou o prêmio de Melhor Ator no Asian Film Festival e foi indicado na mesma categoria no 43º Gawan Urian (maior prêmio da crítica no país), ambos por ‘Kalel, 15’, longa que conta a história de um jovem tendo que lidar com o diagnóstico de que é soropositivo; por sua vez, Kokoy protagonizou o aclamado longa ‘F#ckbois’, trama baseada em dois garotos de programa enfrentando um cafetão. Seu colega de cena, Royce Cabrera, é atualmente protagonista do BL ‘Quarenthings’. 

Com esse histórico, Malanum pôde confiar seu roteiro em ótimas mãos. Ambos protagonistas conseguiram incorporar bem os seus personagens. De cara, somos conquistados pelo carisma de Gavreel, charmoso e sedutor. Já o desenvolvimento do Cairo acontece de forma mais lenta. Conhecemos um jovem introvertido, triste, que se impede de confiar nos sentimentos de seu admirador. Uma curiosidade: os atores que interpretam o pai e o irmão do Cairo são realmente pai e irmão do Elijah. Isso ajudou a passar ainda mais veracidade nas cenas, principalmente do Cai com o pai. 

É no oitavo episódio em que Cairo finalmente começa a se abrir. Enfrentando o luto pela perda do pai, ele desabafa com Gav sobre o que havia acontecido. O gamer tinha uma melhor amiga, Risa, que era apaixonada por ele. Risa confessou seus sentimentos e foi rejeitada, o que a deixou furiosa, espalhando para todos que Cai é gay. Sem coragem de enfrentar os pais, ele decidiu fugir. No mesmo episódio, nosso vitorioso ainda tem uma conversa com o irmão, recebendo um pedido de desculpas. Cairo também se abre para sua mãe e pede desculpas por ser gay, ao que Leila responde que ela que havia errado em não tê-lo feito se sentir confortável para conversarem sobre o assunto. 

Mas é apenas ao receber um e-mail agendado do pai, o perdoando pelo que aconteceu, que o gamer sente-se enfim aliviado. Esse episódio é um dos que mais apresenta o assunto da pandemia. Há momentos em que Cairo mexe nas suas redes sociais e vê posts de pessoas se despedindo de alguém especial que havia falecido por conta do vírus. Os momentos são embalados em uma trilha sonora que te transporta para aquele cenário, outro acerto da websérie.

As redes sociais são importantes para nos aproximar da realidade daqueles jovens. E nelas há também dicas de conscientização a respeito do corona. Os personagens fazem testes numa plataforma similar ao Instagram, postam stories de suas rotinas, compartilham fotos em vídeo-chamada. Isso ajuda na aproximação deles com o público, que se enxerga nesses pequenos atos cotidianos. 

Cairo enfim sente-se pronto para abrir seu coração e ser o Baby do Gav. Mas quem disse que seria assim fácil? Com os gastos do hospital, Leila decide se mudar para outra cidade com os filhos, onde poderia administrar uma fazenda da família e ter uma vida melhor. Para contar a notícia ao já quase namorado, Cai decide que chegou o momento deles se encontrarem pessoalmente. 

O décimo episódio tem todo um clima de final porque realmente seria, porém a série foi estendida por três episódios. Cai e Gav se encontram e o gamer comprova que seus sentimentos eram reais. A cena do beijo pode ter dividido opiniões, mas aquele abraço deu um quentinho no coração. 

Com três episódios a mais, a saída encontrada pelo roteirista foi adicionar o Wesley, amigo de infância do Cairo, que claramente tem sentimentos por ele e será seu vizinho na nova cidade. Já havíamos visto como o gamer se comportava quando estava com ciúmes, mas foi a vez de Gavreel surtar. Unindo a solidão provocada pelo isolamento social e a partida do seu amado para longe, Gav começa a se comportar de forma infantil, o que provoca uma nova discussão com seu baby. 

Deixei para elogiar a direção agora, pois, apesar de ter sido muito boa desde o início, a cena final do episódio 12 foi um show a parte. Foram cinco dias para gravar a maior discussão de CaiReel e cerca de 30 vezes em que cada ator teve que filmar a sua parte. Ivan Andrew Payawal conseguiu entregar algo tão real que até esqueci que os atores não estavam compartilhando o mesmo cenário. Foi angustiante de assistir. 

E chegando ao grande final, o casal não conseguia se entender, mesmo com a ajuda de Pearl em tentar fazê-los conversar e incluindo Wesley e Terrence, que havia voltado a ter contato com Gav. Uma coisa interessante de Gameboys é que os personagens cometem erros, mas têm a oportunidade de se redimir. Terrence pediu desculpas pelo que aprontou e até Risa pediu perdão ao Cairo por seu grave erro. 

Apesar de achar que a chegada de Wesley não foi a melhor saída para esticar a história, os três episódios finais serviram para trabalhar a partida de Cairo e os sentimentos de Gav a respeito. O jovem sempre colocou Cai em primeiro lugar, acabando por negligenciar o que ele mesmo pensava ou sentia. E nos momentos finais do último episódio eles finalmente conversam sobre isso e se entendem. A partir daí é só alegria, com direito a um beijão no meio da rua.

Uma das melhores cenas da finale é o abraço de Cairo, Gavreel e Pearl. A carismática influencer chegou causando medo no público, mas logo se revelou um amor. Pearl foge do estereótipo de ex-namorada que vai aprontar de tudo para separar o casal. Pelo contrário, ela é uma das razões para CaiReel terminarem juntos. Tamanho carisma garantiu um spin-off para a personagem tão bem conduzida por Adrianna So. Pearl Next Door estreia em breve, e sim, será um GL.

Um texto com ótimas sacadas, misturando cultura pop em referências à Ariana Grande e Britney Spears e inserindo a pandemia de maneira responsável, Gameboys conseguiu aliar atuação, enredo e direção nos entregou um produto de qualidade. Palmas a todos os envolvidos nesse lindo projeto que conseguiram captar 2020 como ninguém, cheio de altos e baixos e que, esperançosamente, terá um final feliz. Que venha a segunda temporada!

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